segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mercador de escravos - Alberto da Costa e Silva 6as e 7as séries

“Quando eu morei na Nigéria, ouvi de vários descendentes de ex-escravos retornados do Brasil que seus antepassados trouxeram consigo um saquinho de ouro em pó. E que os menos afortunados desembarcavam em Lagos com os instrumentos de seu ofício e alguns rolos de tabaco, mantas de carne-seca e barriletes de cachaça, para com eles reiniciar a vida. É provável que tenha sido também assim, com seu contrabando de ouro ou o seu tanto de fumo e jeritiba, que alguns dos traficantes brasileiros instalados no golfo do Benin começaram os seus negócios.
Não foi este, porém, ao que parece, o caso de Francisco Félix de Souza. A menos que estivesse mentindo quando disse ao reverendo Thomas Birch Freeman que chegara à Costa sem um tostão e que foram de indigência os seus primeiros dias africanos – confissão corroborada por um parágrafo de Theophilus Conneau, no qual se afirma que Francisco Félix começou a carreira a sofrer privações e toda a sorte de problemas. Outro contemporâneo, o comandante Frederick E. Forbes, foi menos enfático, porém claro: Francisco Félix era um homem pobre quando desceu na África.
Que ele tenha, de início, como declarou, conseguido sobreviver com os búzios que furtava dos santuários dos deuses não é de estranhar-se. Os alimentos eram muito baratos naquela parte do litoral. Numa das numerosíssimas barracas cobertas de palha do grande mercado de Ajudá, recebia-se da vendedora, abrigada sob o teto de palha ou sentada num tamborete atrás do trempe com seu tacho quente, um naco de carne salpicado de malagueta contra dois ou três cauris. Custava outro tanto um bocado de inhame, semienvolto num pedaço de folha de bananeira e encimado por lascas de peixe seco. E talvez se obtivesse por uma só conchinha um acará.

Alberto da Costa e Silva. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira/Editora da UERJ. Publicado em 2004, aos 73 anos.

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